quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Aquelas mãozinhas

Estavam em frente ao rosto em 3D
Estavam encolhidas quando fui ver
Eram tão pequenas que não pude afagar
Eram tão fortes que pude sentir

Força, resistência, superação
Mãozinhas que foram crescendo
Com o coração de criança
Eterna criança que adolescente foi
Adulto tornou-se com suas mãozinhas

Continuaram pequenas, contrárias a sua estatura
Tornaram-se gigantes por suas esculturas
Por seus adornos, por suas realizações
Fizeram a alegria de muitos milhões

Aquelas mãozinhas que eu segurei
Marcaram um tempo, marcaram uma vida
Marcaram pra sempre uma história
A minha

Eu assassino?


Hoje me dei conta que me tornei desde que saí do ventre de minha mãe, um assassino diário e não sabia. Minha mãe foi minha cúmplice também e o pior de tudo é que minha crueldade assustou-me deveras. Não pestanejei em nenhum minuto ao praticar estes atos cruéis de sobrevivência e você deve se perguntar: sobrevivência?
É sim, sobrevivência, ou elas ou eu e se vai chorar a minha mãe que chorem as mães delas.
Assassinei-as sem pensar as duas e sem nenhuma dó.
Requintes de crueldade? Não nenhum.
Juiz para analisar a situação e promover a sentença? Pra quê?
Sou réu confesso. E daí?
É bem capaz dele também estar na mesma situação, ter suspeição e não poder me julgar.
Eu nasci assim, cresci assim, vou ser sempre assim e vou morrer assim.
A satisfação pelos fatos sempre foi muito grande e o prazer melhor ainda.
O Café da manhã, almoço e jantar além dos intervalos foram as pontes para os homicídios qualificados.
Assassinei a fome e a sede, por tabela, ao tomar minha primeira mamada na minha mãe quando nasci.

O Quartel


O quartel era o sonho de muitos que iriam prestar o serviço militar obrigatório e de quem já praticava esportes. Oferecia algumas vantagens que faziam as outras unidades morrerem de inveja: ficava embaixo do Pão de Açúcar, de frente para a Baía da Guanabara, tinha duas praias praticamente privativas, dois ginásios poli-esportivos, uma piscina semi-olímpica, um campo de futebol com pista de atletismo em volta, uma pista de pentatlo militar, duas quadras de tênis, uma quadra de futsal e cinco poli-esportivas, além da pista de rolamento dos carros que servia para a prática de jogging. Este conjunto fascinava muitas delegações e atletas que vinham de várias partes do mundo e as quais convivíamos tranqüilamente em nosso dia a dia, como por exemplo: Uma das praias foi usada pelo vice-presidente dos Estados Unidos na época - pai de outro presidente- quando em visita ao Brasil, os ginásios eram utilizados pela Seleção Brasileira de Vôlei, o campo de futebol pela Seleção Brasileira de Futebol para testes físicos e a pista pelas Equipes de Atletismo diversas.
O uniforme composto de camiseta, calça comprida, cinto, boné, meia e coturno só era utilizado em formaturas, pelo pessoal de serviço no dia e pelos novos soldados. No cotidiano o nosso era: short, camiseta, meias brancas ou pretas e tênis preto sem logomarcas, a alimentação não era muito diferente dos atletas, sargentos ou oficiais, bem diferente da outra unidade que ficava bem ao nosso lado. Essa diferença já dá uma noção da satisfação de quem era novo integrante da trupe.
Rolava o ano de 1980 e aquele era mais um bando de cabeludos que iria passar pelo serviço militar. Tinha de todos os “tipos folclóricos”: o grandão (que não só servia pra trocar as lâmpadas, mas para ser o testa da fila), o gordinho (sempre tem um pra chacota), o magrão, o ralador (que chamávamos de vibrador pois sempre se oferecia para malhar ou fazer serviços pesados), o magrinho, o baixinho (famoso tamborete de forró que era perturbado por todo mundo), o comilão, o fortinho bombadão, o falador, o contador de piadas, o perobinha (conhece a expressão?- pois é esse mesmo), o preguiçoso, o mimadinho ( que o papai leva de carro até a porta), o dependente (sempre de uma orientação...) e por aí vai. E era cada figura que aparecia que os sargentos já até apostavam quem seria o cara que iria procurar “ a chave do campo (de futebol)”, o vassoureiro ou melhor o escrivão de melhor letra e outras aprontações costumeiras. As roupas coloridas dão hoje frouxos de risos, mas a customização era a coqueluche da época: camisas justas a La Tony Manero, camisetas Hering de várias cores, as calças baggy ou com bolso tipo faca e cintura marcada, relógios Champiom, ou G-Shock os sapatos e tênis eram os mais diversos possíveis: Starsax, Vulcabrás 752, Souza 2 cores (este era privilégio de poucos pois era feito sob encomenda), Conga, All Star, Bamba, Kichute e até Puma; ninguém ousava em aparecer de bermuda, chinelo ou até mesmo de camiseta regata para não ser chamado de vagabundo porque naquela época, durante a vigência do Regime Militar, ter essa pecha era sinal de cana dura, pancada e prisão mesmo.
Na hora do exame médico ninguém queria ficar pelado na frente do outro por causa das “comparações” naturais. A vergonha às vezes era tanta que o sujeito se encostava na parede e pra tirar ele dali era um sufoco. É claro que tinha sempre aquele oposto querendo aparecer e aí levava uma bronca da enfermeira e rapidinho sossegava o facho. Aliás, a enfermeira era uma figura a parte: já com uma idade avançada tinha em contraponto uma voz curta parecida com a de uma adolescente e de vez em quando pregava umas peças no telefonista de plantão que pensava estar falando com uma gatinha e descobria no dia seguinte que falara com uma gatosa. Não tinha esse que não caíra nas lábias da coroa que dava sempre uma lição de moral para os assanhadinhos para que não se deixassem levar por conversas intermináveis no telefone com quem não conheciam e ela era tão incisiva e contundente que o sujeito ficava de cabeça baixa e sequer ousava comentar com quem fosse.
A história da chave do campo era a seguinte: Um cabo de dia (que também podia ser um soldado antigo ou engajado) dava a missão (tarefa- no jargão militar) ao conscrito (soldado novo) de pegar a chave do campo com um sargento x o mais rápido possível e dizia onde ele estava, o que normalmente era na direção oposta à real. O coitado ficava correndo de um lado pra o outro e quando achava o tal sargento este dizia que já não estava com ele e indicava outro e assim sucessivamente até que algum bom samaritano falasse pro suado e extenuado aprendiz de soldado que o campo é aberto e não precisa de chave. A cara que o sujeito fazia era pra ficar uma semana rindo de tão bronqueado que o sujeito ficava consigo ou com quem o mandara nessa missão. Neste caso, existiam duas outras situações também: aquele que já era informado por parente ou outro conhecido que servira no quartel, aí em vez de correr ele se escondia em algum lugar por um tempo e depois aparecia com a cara mais lavada do mundo com a resposta na ponta da língua ou então aquele que não entendia patavinas e voltava frustrado para o grupo e tentava explicar o inexplicável. Era riso de todo o lado e gozação por um bom tempo.
Pior mesmo era quando o sargenteante (sargento responsável pelas escalas de serviço) perguntava quem tinha boa letra/caligrafia e uns poucos entusiasmados levantavam a mão, eufóricos por possivelmente não ter que ralar na faxina. Ledo engano, o grupo era o primeiro a pegar nas vassouras (as canetas) e nos carrinhos de lixo ( as máquinas de escrever – porque, na época, computador era coisa de multinacional), isto sem contar a gozação da turma remanescente que até então eram os que nada sabiam fazer, mas estes por omissão ou não eram os menos indicados a serviços pesados.
E o corte de cabelo? O barbeiro era outra figuraça: cabelos totalmente brancos cortados à escovinha, bigode farto, um pitoco de cigarro no canto da boca e um humor francês que era difícil retirarem-lhe um sorriso, além de uma bata que um dia fora branca e era só o encardido, o seu nome de origem italiana só era conhecido pelos que ficavam mais tempo. Parecia que ele fazia de propósito o corte A La Príncipe Danilo, que era o exigido na época aos conscritos. O corte era feito assim; ele colocava a mão no topo da cabeça do infeliz, passava a máquina embaixo e dava aquele sorriso desdenhado ao ver as mechas compridas e os Black Powers cultivados por um bom tempo caírem aos seus pés; o arremate final era feito, sabe lá DEUS como, com uma navalha afiadíssima que oscilava de um lado para o outro de sua mão enquanto ele falava dos assuntos que lhe aprouvessem na hora, os quais inevitavelmente eram sobre o seu tempo de caserna, nesta hora o sorriso sarcástico aflorava mais ainda. Não havia como não engolir em seco ao ver a lâmina passar pertinho de nossa garganta e lembrar-se dos filmes de terror. Os mais antigos tinham seus privilégios e eram aconchambrados (melhorados) nos detalhes e em alguns ele até fazia a barba. Os graduados, é claro, tinham um tratamento totalmente diferenciado e aí daquele que reclamasse disso para ser logo enxotado da sala. O engraçado é que por mais ranzinza que o barbeiro parecesse ser todos gostavam daquele velho. Ele já fazia parte do cotidiano do quartel e foi difícil ver a barbearia sendo utilizada por outro barbeiro quando ele se foi após um ataque do coração.
Em pleno verão, com sol escaldante batendo nos rostos suados e corpos extenuados, enquanto alguns se esforçavam para realizar corretamente a ordem unida, outros por total falta de coordenação faziam o oposto e como no regime militar quem erra faz o grupo “pagar” pelo erro, o castigo de vez em sempre era estipulado em exercício físico (traduzindo: poli-chinelo, flexão de braço, abdominal, meio sugado, canguru e por aí vai.). É desnecessário dizer que o infrator passava por um corredor polonês depois disso. Para quem nunca viu ou ouviu falar de corredor polonês, a pessoa passa correndo no meio de um corredor formado pelos “companheiros” e recebe chutes e pontapés até sair do lado oposto, se conseguir chegar inteiro. Bastava a ordem de “fora de forma’ para que o atropelamento dos mais lentos fosse concretizado quando o pessoal ‘voava” para os chuveiros - tendo o claro cuidado de não deixar cair o sabonete - e mais ainda para os seus uniformes com um tempo mínimo pra fazer isso para a disputadíssima hora do rancho e quem se atrasava e atrasava o grupo...
Mas nem tudo eram espinhos. O alojamento tinha uma TV em cores para distrair os que ainda agüentavam ficar acordados à noite. Como em todo lugar existem o joio e o trigo no quartel não era diferente: Havia a Lei do Silêncio que ninguém entregava ninguém. Ela passou a valer no dia em que houve o sumiço de alguns objetos de valor de um oficial aluno e todos os soldados ficaram sob suspeita. Os interrogatórios eram feitos individualmente em locais distintos e por membros da Polícia do Exército a chamada PE que infringia naquela época um medo maior que se meter com a Máfia ou os diversos Comandos hoje em dia.
Fizeram revistas em todos os cômodos dos alojamentos e nada fora encontrado, não é necessário dizer que a peia cantou bonito no lombo da turma para dizer quem tinha sido o autor da “façanha” até que “por acaso” alguém viu um saco preto no fundo do pátio com os objetos desaparecidos, ficando o dito pelo não dito até a baixa de todos. Isto também faz lembrar a turma do funil que para burlar a lei seca de 30 dias sem vir em casa juntavam álcool, água e mel e essa mistura rolava no fim de semana; dá pra sentir o torpedo que saia?
O que mais chamava a atenção no quartel (como diria o comediante Lilico: - tempo bom, não volta mais ...) eram duas frases que nunca mais saíram da minha cabeça e me nortearam para o resto de minha vida:
“HÁ A ALEGRIA DE SER PURO E A DE SER JUSTO, MAS HÁ SOBRETUDO, A MARAVILHOSA, A IMENSA ALEGRIA DE SERVIR. SERVISTE HOJE? A QUEM?”
GABRIELA MISTRAL
“TUDO QUE TEM QUE SER FEITO, FAÇA DIREITO E BEM FEITO. VOCÊ TEM SEU DIREITO E AINDA TIRA O PROVEITO”
SÉRGIO LUIZ BARRETO DE SÁ