
Meu primo Mário era uma daquelas figuras que chamava a atenção por onde passava. Em plena época da ditadura militar ele conseguia ser um pedreiro, negro, alto com quase um metro e noventa, bigodinho a La Clark Gable, cabelo rapado bem baixinho e que se vestia com extrema elegância devido à sua postura. Unhas feitas, sempre com uma sacola tipo embornal – lembrança da infância na roça, onde carregava suas roupas de trabalho e ferramentas e trocava de lugar quando estava no serviço. Dá pra imaginar a cena? É esse era o primo Mário.
Certa vez, contava a minha avó, ele chegou em casa pálido como uma cera e com os olhos arregalados de puro susto. Todos ficaram preocupados, pois se tinha alguém que não tinha medo de nada era o primo Mário. Providenciaram logo um copo d’água e uma cadeira e todos ficaram ao seu redor para saber o que havia ocorrido: Como era de costume, às quintas-feiras, ele tinha ido à uma gafieira e desta vez fora numa em Botafogo que um colega havia indicado. Depois de umas e outras, puxou uma cabrocha para dançar e entre um intervalo e outro, pois enquanto estavam dançando o fiscal não deixava eles se falarem tampouco trocarem quaisquer carícias mais ousadas, a moça deu a entender que havia gostado dele.
Muito sapeca o primo Mário logo mostrou seus dotes de dançarino galanteador e pra encurtar a história pediu para levar a moça em casa. Pedido aceito deu o braço e todo empolgado andava com o seu troféu todo orgulhoso pelas ruas estreitas daquele bairro que ele conhecia muito pouco. Entra rua, sai rua e ele empolgado com a conversa não percebeu onde estava. Ela então disse-lhe que aquele portão grande era a entrada da sua casa e dali não poderia ele entrar por causa do pai dela, etc. e tal.
Para tentar roubar ao menos um beijinho ele prometeu que viria buscar a capa de chuva que lhe emprestara durante o trajeto, pois chuviscava uma garoa bem fria. Diante da concordância ele partiu para o ato, o qual foi prontamente travado por um par de mãos em seu peito e um pedido delicado de amanhã nos veremos à tarde depois de seu trabalho.
O dia havia passado como um raio e quando bateu a sirene ele foi o primeiro a se arrumar e perfumar como em nenhum outro dia igual. Percorreu o caminho que fizera na noite anterior até aquele portão pomposo. Entrou meio desconfiado e qual não foi sua surpresa ao descobrir que entrara no Cemitério de Botafogo; já com as pernas bambas, avistou a sua capa de chuva em cima de uma tumba ao lado de uma senhora que estava acabando de trocar umas flores naquele túmulo tão bonito. Meio sem jeito, tentou argumentar com a senhora algo para puxar conversa quando observando o retrato póstumo eis que era igual ao da cabrocha que passara a noite anterior dançando. A senhora era a mãe dela e disse-lhe que a filha havia morrido num acidente de carro quando voltava de uma festa de aniversário alguns anos antes e que ele fora já a terceira pessoa a passar pelo mesmo constrangimento. O pavor tomou tanto conta do Don Juan de plantão que nem se lembrou mais da capa de chuva e só queria chegar em casa.
Depois de levar uma pequena bronca de meu avô e agüentar a gozação dos meus tios por sua namorada do outro mundo, a minha avó pediu para que nos reuníssemos e fizéssemos uma oração pela alma daquela moça que vagava sem rumo.
Foi uma lição e tanto para o primo, um aprendizado a todos nós e uma história de não se esquecer tão cedo.