A lembrança palpitante daquele dia chuvoso, frio, com ventos gélidos típicos do inverno carioca entrando pela porta entreaberta da sala. Era um dia especial para mim: havia voltado para casa outra vez depois de passar alguns dias na casa em que me criei devido àquela "visita" ao meu avohai que estava convalescendo de um C.A.de garganta adquirido por mais de 40 anos como fumante.
O velho Sobreira lutava
bravamente contra aquela comiseração lenta, silenciosa,maligna e mortal com um
brio digno de um soldado ferido cujo rei lhe diz que conta com ele. Era o
retrato decadente de um militar que sabia da sua ferida mas mantinha vigilância
no posto e não se deixava abater. Ficávamos aflitos ao ouvir suas tosses secas
e longas, o arfar de seu peito que ouvíamos da sala ao lado de seu quarto. O
clima era sombrio, mas a esperança de um milagre era acesa vez por outra pela
sua eterna ajudadora -minha avó- que esteve ao seu lado todo o tempo desde o
diagnóstico fatídico.
As suas palavras não saem da
minha mente e soam como se fossem as bençãos de Israel aos seus filhos,
especialmente quando disse:- José é um
ramo frutífero, ramo frutífero junto à fonte, cujos galhos se estendem sobre os
muros. Os flecheiros lhe deram amargura e o flecharam e perseguiram. O seu arco
, porém, permanece firme e os seus braços foram fortalecidos pelas mãos do
Poderoso de Jacó, o Pastor, o Rochedo de Israel, pelo DEUS de seu pai, o qual
te abençoará com bençãos do abismo que jaz embaixo, com bençãos dos seios e da
madre. As bençãos de teu pai excederão as bençãos de meus pais até o cimo dos
montes eternos, elas estarão sobre a cabeça de José e sobre o alto da cabeça do
que foi separado de seus irmãos. Gênesis
49: 22-26. Só a leitura deste trecho me arrepia e me traz às lágrimas
quando comparo as situações.
Meu avô levantou-se, ainda meio
fraco pela doença, fez questão de me dar um abraço e me abençoar. O aperto de
sua mão foi firme como sempre fazia e o seu abraço bastante emocionado, de quem
sabe que o seu fim está próximo, me fizeram gravar aquele momento na memória. Aquele
abraço apertado, com cuidado meu para não machucá-lo, cuidei para aninhá-lo na
cama e cobrir-lhe o corpo emagrecido. Fiquei firme contendo as lágrimas que
queriam rolar olhos abaixo e rodeei a cama para dar um beijo de despedida em
minha avó. Parei um instante na porta, olhei para os dois ali juntinhos e
gravei aquela imagem na minha memória e disse a mim mesmo que um dia iria
contar isto aos meus filhos. Faço mais; conto isto a você que está lendo e sabe
o quanto faz falta um ente muito querido que damos risadas quando lembramos das
nossas aprontações e das repreensões dele conosco, sempre de uma forma firme,
dura mas aberta. Éramos corrigidos sabendo o porque das correções. Seu Santinho
marcou definitivamente nossas vidas e na minha ficou uma lição eterna de um
tio-avô-pai que deu tudo o que podia dar de melhor aos seus com todas as suas
limitações e deixou –nos um legado de Amor e Carinho como marca de nossa tão
diversificada Família.
Os anos se passaram e a promessa
da benção tem se cumprido conforme ele me disse naquele dia. Sua voz era
profética ao afirmar que no norte eu acharia aquilo que procurava tanto (DEUS),
a pessoa para ser feliz (minha esposa) , a prosperidade a muito buscada (ele se
referia à dignidade de ter um lar, que entendi na hora por tudo o que tínhamos
passado) e com um beijo no rosto me olhou bem dentro dos olhos e disse num
sussurro: - Seja feliz meu filho, DEUS
te abençoe!