segunda-feira, 3 de maio de 2010

SE EU FOSSE ESCRITOR



Se eu fosse escritor tentaria voltar ao tempo da infância, nos dias de brincadeira, de pique esconde, de subir nos pés de goiaba, abacate, manga e jamelão, lá no Morro do Cantagalo, Zona Sul carioca. Escreveria também sobre aqueles dias em que ficávamos à volta da minha avó, ouvindo as histórias de contos de fada, mula sem cabeça, casal apaixonado, almas do outro mundo boas e más nos dias de chuva ou então os finais de tarde na ponta do Terreirão, quando avistávamos o melhor pôr do sol da face da terra, que até hoje o pessoal do Posto 9 de Ipanema bate palmas por esta dádiva de DEUS. Descreveria a ladeira de paralelepípedos com curvas fechadas que subíamos e as caronas que pegávamos nos caminhões de gás, as escadas curtas com degraus acimentados até determinado trecho e de barro socado e batido em outros, algumas vezes entremeados com uma tábua de caixote de feira livre até chegarmos ao barraco feito de estuque, do qual avistávamos os pequeninos soldados no Forte de Copacabana e as ondas batendo na praia e sabíamos com antecedência se a maré estava baixa ou não lá da ponta do Terreirão, onde hoje se ergue um arranha céu.
Com uma certeza, iria lembrar do primeiro dia em que fui para a escola, o novo itinerário com a minha mãe no primeiro dia e sozinho nos dias seguintes, os novos colegas de turma, a primeira professora que também seria a diretora da escola anos depois e que ficou felicíssima ao saber que eu também era um professor e fora buscar informações de um aluno. De jeito nenhum poderia esquecer os dias em que a tia Babá juntava a criançada toda no final da tarde para nos levar à praia de Copacabana. A alegria era geral, sem contar o estado que ficávamos, parecendo bife a milanesa, quando vínhamos pra casa cheios de areia.
É claro que não poderia ficar de fora os corretivos de meu avohai (avô e pai – como diria Zé Ramalho), que contava nos dedos as nossas “aprontações” e depois nos expunha sem que pudéssemos reclamar, pois ele tinha razão para isto ( naquele tempo não tinha E.C.A.-Estatuto da Criança e do Adolescente).
Não sei se eu iria descrever os cascudos que o Tio Leleco nos dava toda vez que soltava os passarinhos que ele prendia depois de passar um tempão no mato ou fazendo armadilhas. Acho que lembraria também das roupas que a vovó lavava e mandava entregar para as “madames” nos mesmos prédios em que muitas vezes íamos pedir para apanhar água e encher os barris em casa ou os salgadinhos que vendíamos para engordar o orçamento (a vergonha do 1º dia de trabalho foi logo abandonada com a vista da féria no final daquele mesmo dia e daí pra frente...).
E as imitações que fazíamos quando chovia? Ninguém podia ir para o quintal e nem sempre a televisão era opção, daí era cada coisa que saía: eu tentando imitar o locutor dos Jackson Five na música "I Wanna be where you are ao vivo" para apresentar a turma, a Tia Márcia se fazendo de Miss Café,a Tia Mauri querendo se passar pela Júlia e o Marquinho pelo Corey Baker seu filho, o meu primo Chico imitando o “Margarida” – (Jorge Emiliano – ex-arbitro de futebol) e o André seu irmão imitando os trejeitos do Vera Verão da televisão (depois ele criou um personagem chamado Andréia Gasparetti),só de pensar dá frouxos de risos.
Não sei se conseguiria descrever os dias em que havia “blitz” na comunidade e os soldados subiam com armas nas mãos e o clima de tensão ficando no ar depois da notícia de alguma pessoa que fatalmente se confrontava com eles e perecia ou quando sabíamos através da boca pequena que não era para transitarmos pelas ruas, pois haveria tiroteio mais tarde. Não eram boas situações essas.
Valeria a pena lembrar os rachões no quintal de casa e a lembrança da cristaleira que quebramos com a bola feita de meia-calça, papel, plástico e borracha de câmara de pneu e o “couro” que levamos por essa traquinagem. E como poderia deixar de fora os ensaios da turma para não fazer feio nos bailes de domingo à tarde para os pequenos e aos sábados à noite na Associação, ao lado do Canecão,para os maiores? Era som ligado o dia todo e ensaio direto dos passes em conjunto ao ritmo de: James Brown,Jackson Five , Average White Band, Kool and the Gang, Marvin Gaye, Diana Ross & Supremes, The Stylistics e todo o pessoal da Motown,além da Ladi Zu, Lincoln Olivetti & Robson Jorge, Banda Black Rio e Gerson King Kombo,pessoal que fazia música dançante tipo swing americano e é claro não dá pra deixar de fora o pagodão do Tio Aroldo Santos, Beth Carvalho,João Nogueira, Dominguinhos, Roberto Ribeiro,Alcione, Leci Brandão, Fundo de Quintal, Bebeto e Agepê que se sabia de cor e salteado, tudo isso enquanto limpávamos a casa ou carregávamos água da bica ( é uma outra história que também dá uma crônica).
É uma pena que não sou escritor, porque se fosse, com certeza, escreveria tanta coisa boa que daria um livro.
O título? É fácil: “KRIOK -FELICIDADE e LEMBRANÇAS”

2 comentários:

  1. PUTZ!!! VC QUER MATAR A TITIA MAURI DO CORAçÃO, CARA?! VEIO TUDO NA MINHA MENTE AGORA, COMO UM FILME!!! LÁGRIMAS NOS OLHOS, TÔ CHORANDO,PORRA!!! TÔ AQUI NA SUÍçA, LONGE DE TODOS, SOZINHA EM CASA (BÁ FOI PRA DISCO ONTEM E DORMIU NA CASA DE UMA AMIGA)... ÉRAMOS MUITO FELIZES E NÃO SABIAMOS!? Q SAUDADES DESTES TEMPOS!!!! E VC AINDA DIZ SE VC FOSSE ESCRITOR?! TU TÁ DE BRINCADEIRA NEGAO! PARABENS SOBRINHO AMADO, VC SEMPRE FOI MUITO INTELIGENTE!!!!! E SÁBIO!!!! Q DEUS ABENçOE VC E SUA LINDA E ABENçOADA FAMILIA! JE VOUS AIME TROOOOOP!!!! (EU AMO MUIIIIITO VCS!). MILLE BISOUS!!!!

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  2. Eu leio e releio estas linhas e não tem como conter as lágrimas. você conseguir passar o filme da sua vida em algumas palavras não é nada fácil. Talvez se eu fosse escritor...

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