Aquele choro sentido
junto com um soluçar me incomodou sobremodo. O silêncio entre um e
outro só era quebrado pelo barulho esporádico dos carros que
passavam lá longe na rua principal do bairro. As crianças que
choravam eram da casa de uns vizinhos que nem sempre víamos em casa,
só sabíamos que eles moravam ali por causa justamente daqueles
pequeninos que de vez em quando ficavam na porta de sua casa chorando
baixinho e soluçando.
Naquele dia eu tinha
vindo de um plantão altamente cansativo e só pensava em descansar o
corpo e dormir quando reparei naquele som vindo do fundo da alma,
importunando a “minha paz”. Não sei porque cargas d'água fui
procurar saber o motivo do choro e perguntei sem muita convicção da
resposta, sendo surpreendido sobremodo: - a mamãe tá dodói e o
papai foi preso!
O baque foi forte e
fiquei sem ação por uns instantes antes de assimilar a resposta; -
como assim tá dodói?
- Ela tá lá na cama e
não pode fazer comida pra gente e a gente tá com fome.
Muito a contragosto
pedi licença e entrei na casa para ver a situação e quase voltei
para trás com o cheiro pútrido que vinha do quarto onde a mãe dos
pequenos jazia com uma gangrena na perna. O seu olhar de espanto em
me ver estava aliado a um pedido de ajuda seguido de um olhar para os
meninos encolhidos num canto da parede. Apresentei-me como o vizinho
da casa ao lado e perguntei o que poderia fazer para ajudar, já que
todo o cansaço e sono foram embora como num passe de mágica. Aquele
choro das crianças tinha definitivamente mexido comigo.
Fui até a padaria e
comprei leite, biscoitos e pão de imediato para a felicidade dos
estômagos vazios dos três. Depois de saciados naquele primeiro
momento, pedi a permissão para ajudar no que fosse preciso. Abri
todas as janelas da casa e fui até a cozinha para saber o que podia
fazer por eles, somente encontrando um pouco de farinha em uma lata
de leite em pó. Coração apertado, fui até o mercado e sem falar
absolutamente nada fiz a melhor compra que pude sem entretanto
conseguir conter as lágrimas que brotavam direto do coração. Os
meninos riam de tanta felicidade quando viram as guloseimas que
vieram e um deles cutucando o irmão disse: - o tio trouxe carne!
Responder o que nessa
hora? Só balancei a cabeça e fui pra cozinha fazer o almoço ou a
refeição quente que a muito eles não comiam. Guardei as compras
onde achava que dava e ao mesmo tempo que cozinhava ia limpando a
casa, começando pela cozinha e estendendo para o resto. Consegui
entrar em contato com a assistente social da região que demorou a
chegar e a providenciar a remoção daquela mulher para um hospital.
O almoço ficou pronto, fiz carne picadinha com batata cozida, arroz,
feijão e salada de alface com tomate. Que felicidade era aquela que
deparei, eles comeram rapidamente como se fosse a última vez e
ficaram de olho nas panelas entendendo eu que era uma preocupação
ficar de novo sem comida. Nada que um bom papo não resolvesse.
Depois dos trâmites, a
assistente social explicou que as crianças ficariam em um abrigo até
a recuperação da mãe, já que o pai estava em uma situação
crítica: fora preso roubando uma lata de leite no supermercado e por
estar desempregado não havia como pagar a fiança nem responder em
liberdade. Mais uma vez , alguns telefonemas depois e uma boa carga
de emoção para sensibilizar os amigos e conhecidos, vi um pai
atônito ser solto e voltar pra casa com uma renca de repórteres
ávidos por sua história.
Lembrei da minha cama e
só aí é que bateu o cansaço, fui cambaleando para casa parecendo
bêbado (de sono) e mal abri a porta do quarto só tive tempo de
jogar as roupas de lado, ligar o ar e desabar para um descanso
merecido, não sem antes agradecer a DEUS por ter a oportunidade de
ajudar alguém que precisava.
As crianças vão bem, obrigado! Seu choro foi só um sonho e já acordei
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