quarta-feira, 20 de junho de 2012

Choro de Criança



Aquele choro sentido junto com um soluçar me incomodou sobremodo. O silêncio entre um e outro só era quebrado pelo barulho esporádico dos carros que passavam lá longe na rua principal do bairro. As crianças que choravam eram da casa de uns vizinhos que nem sempre víamos em casa, só sabíamos que eles moravam ali por causa justamente daqueles pequeninos que de vez em quando ficavam na porta de sua casa chorando baixinho e soluçando.
Naquele dia eu tinha vindo de um plantão altamente cansativo e só pensava em descansar o corpo e dormir quando reparei naquele som vindo do fundo da alma, importunando a “minha paz”. Não sei porque cargas d'água fui procurar saber o motivo do choro e perguntei sem muita convicção da resposta, sendo surpreendido sobremodo: - a mamãe tá dodói e o papai foi preso!
O baque foi forte e fiquei sem ação por uns instantes antes de assimilar a resposta; - como assim tá dodói?
- Ela tá lá na cama e não pode fazer comida pra gente e a gente tá com fome.
Muito a contragosto pedi licença e entrei na casa para ver a situação e quase voltei para trás com o cheiro pútrido que vinha do quarto onde a mãe dos pequenos jazia com uma gangrena na perna. O seu olhar de espanto em me ver estava aliado a um pedido de ajuda seguido de um olhar para os meninos encolhidos num canto da parede. Apresentei-me como o vizinho da casa ao lado e perguntei o que poderia fazer para ajudar, já que todo o cansaço e sono foram embora como num passe de mágica. Aquele choro das crianças tinha definitivamente mexido comigo.
Fui até a padaria e comprei leite, biscoitos e pão de imediato para a felicidade dos estômagos vazios dos três. Depois de saciados naquele primeiro momento, pedi a permissão para ajudar no que fosse preciso. Abri todas as janelas da casa e fui até a cozinha para saber o que podia fazer por eles, somente encontrando um pouco de farinha em uma lata de leite em pó. Coração apertado, fui até o mercado e sem falar absolutamente nada fiz a melhor compra que pude sem entretanto conseguir conter as lágrimas que brotavam direto do coração. Os meninos riam de tanta felicidade quando viram as guloseimas que vieram e um deles cutucando o irmão disse: - o tio trouxe carne!
O outro reparando em mim emendou com uma voz espantada: - tio porque você está cholando?

Responder o que nessa hora? Só balancei a cabeça e fui pra cozinha fazer o almoço ou a refeição quente que a muito eles não comiam. Guardei as compras onde achava que dava e ao mesmo tempo que cozinhava ia limpando a casa, começando pela cozinha e estendendo para o resto. Consegui entrar em contato com a assistente social da região que demorou a chegar e a providenciar a remoção daquela mulher para um hospital. O almoço ficou pronto, fiz carne picadinha com batata cozida, arroz, feijão e salada de alface com tomate. Que felicidade era aquela que deparei, eles comeram rapidamente como se fosse a última vez e ficaram de olho nas panelas entendendo eu que era uma preocupação ficar de novo sem comida. Nada que um bom papo não resolvesse.
Depois dos trâmites, a assistente social explicou que as crianças ficariam em um abrigo até a recuperação da mãe, já que o pai estava em uma situação crítica: fora preso roubando uma lata de leite no supermercado e por estar desempregado não havia como pagar a fiança nem responder em liberdade. Mais uma vez , alguns telefonemas depois e uma boa carga de emoção para sensibilizar os amigos e conhecidos, vi um pai atônito ser solto e voltar pra casa com uma renca de repórteres ávidos por sua história.
Lembrei da minha cama e só aí é que bateu o cansaço, fui cambaleando para casa parecendo bêbado (de sono) e mal abri a porta do quarto só tive tempo de jogar as roupas de lado, ligar o ar e desabar para um descanso merecido, não sem antes agradecer a DEUS por ter a oportunidade de ajudar alguém que precisava.

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